Apadrinhamento Civil: alguns aspetos do seu regime. Possíveis razões da sua não aplicabilidade.

Introdução

O regime jurídico do apadrinhamento civil veio a ser aprovado em setembro de 2009 pela Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro.

Este regime aplica-se a crianças ou jovens que residam em território nacional e que se “encontrem em perigo ou esteja submetido a uma medida de acolhimento em instituição, quando a adoção não se afigure possível (art.º 5.º da LAC)1.”

Mas em que consiste o apadrinhamento civil?

À semelhança do que sucede com a adoção, o que se visa com este instituto é que a criança possa vir a criar laços de afetividade com uma família sem perder, no entanto, a sua filiação biológica.

A verdade é que existe, neste regime, mais celeridade e simplicidade do que no regime da adoção. Mas isso não implica que deva haver menos exigência na seleção dos candidatos a padrinhos, até porque tal como sucede com a adoção, o que se visa aqui é também a criação de laços afetivos e jurídicos, inclusive a nível de responsabilidades parentais.2

Ora, o apadrinhamento civil foi criado com a intenção de reduzir o número de crianças institucionalizadas.

“O apadrinhamento civil, que entrou em vigor a 27 de Dezembro de 2010, pretende ser uma solução para os casos em que os menores não reúnam as condições para a adoção ou os pais não a permitem. Através de um procedimento mais leve e simplificado, os padrinhos assumem as responsabilidades parentais sem que a criança rompa os laços com a família.”3

Acontece que apesar das vantagens que lhe estão inerentes4, este instituto não tem vindo a ser muito utilizado em Portugal. Em 2012, apenas tinham sido encontrados cinco padrinhos5. Assim, tendo em consideração toda esta realidade, este trabalho focar- se-á sobre alguns aspetos do regime do apadrinhamento civil, nomeadamente no que concerne à sua caracterização, carácter subsidiário, exercício das responsabilidades parentais por parte dos padrinhos e direitos dos pais.

Será, ainda, referenciado o tipo de relação que deve existir entre pais e padrinhos, em ordem à manutenção do vínculo que se estabelece. Finalmente, são apontados possíveis motivos da inaplicabilidade deste regime, recorrendo à opinião de vários autores e é feita uma alusão à importância da adesão ao instituto do apadrinhamento civil, o qual pode trazer reais vantagens para as crianças ou jovens.

I. Caracterização e natureza jurídica do instituto

Como se constata através da leitura de alguns dos preceitos da Lei do Apadrinhamento Civil, de ora em diante, LAC, o mesmo “corresponde a um vínculo tendencialmente permanente, que se constitui por intervenção de entidade estatal.”6

O apadrinhamento civil surge como uma figura que se encontra a “meio caminho” entre a adoção e a tutela: “(…)é um minus relativamente à adoção (…) e representa um plus relativamente à tutela.”7

Isto porquê? A verdade é que em relação ao que sucede na adoção, no apadrinhamento verificam-se mais restrições, nomeadamente no que concerne ao exercício da administração do património do menor.8 Ainda neste campo de comparação, não há, no apadrinhamento, quaisquer direitos sucessórios legais, assim como não há qualquer previsão de que ao afilhado sejam atribuídos os apelidos dos padrinhos.

Comparativamente com a tutela, dizemos que o padrinho é mais que o tutor porque aqui o que existe é uma relação quase familiar, que não se extingue com a maioridade e, a menos que exista revogação, dura toda a vida. Existe, ainda, obrigação recíproca de alimentos, o que na tutela acontece e, ainda, o menor surge integrado no agregado familiar do seu padrinho.

No entanto note-se: o facto de ser menos que a adoção não significa que não exista um processo de seleção de padrinhos menos cuidadoso9, tal como constatamos pela leitura do art.º 12.º, LAC. Até porque, “[e]stando em causa o projeto de vida destas crianças e jovens, o superior interesse da criança impõe a existência de um processo de habilitação dos padrinhos tendente a aferir a idoneidade e a autonomia de vida das pessoas que pretendem apadrinhar10.”

Além do que juridicamente caracteriza este tão recente instituto criado pelo legislador surge o vínculo da afetividade, que se pretende que exista na relação entre padrinhos e afilhado; daí falar-se numa “manifestação normativa do conceito de cuidado, enquanto obrigação material de conteúdo e vinculação jurídicas e não apenas morais11.”

Por estar em causa a promoção da desinstitucionalização de crianças e jovens em perigo que não possam voltar para a sua família de origem ou, ainda, que não possam ser adotadas12, visa-se, em alternativa, a criação de uma nova relação jurídica para- familiar, com carácter tendencialmente permanente, onde a criança ou jovem naquelas condições possa usufruir de um ambiente que lhe permita crescer de forma a desenvolver as suas capacidades e personalidade de forma mais saudável e vantajosa.

“Trata-se de um regime especial no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais, cujo exercício pode conhecer limitações a estabelecer no compromisso de apadrinhamento civil ou na decisão judicial13.”

O facto de ser uma relação jurídica de índole tendencialmente permanente ou, se quisermos, estável e duradoura, quer significar que se tentou criar um regime jurídico que “permita a manutenção de um vínculo em tudo semelhante àquele que é constituído pela filiação natural, no entanto e ao contrário do que sucede na adoção, permite-se e prevê-se a manutenção de ligação com a família natural14.” Aliás, os padrinhos devem mesmo fomentar essa manutenção e assegurar as condições necessárias para que isso aconteça.

“O apadrinhamento civil cria uma relação jurídica nova no direito português e que acresce aos institutos da tutela e da adoção restrita (…) trata-se de uma medida tutelar cível que visa suprir o exercício das responsabilidades parentais por impossibilidade, incapacidade ou vontade dos pais15.”

Ponto caracterizador, ainda, deste regime, é a sua faceta de exclusividade. Isto porque, tal como se encontra previsto no art.º 6.º LAC, não é permitida a constituição de novo vínculo de apadrinhamento enquanto já exista um.

Tal como em tudo o que é de Direito, existem requisitos que têm de ser verificados para que seja válida a constituição desta recente relação jurídica. Nomeadamente, referimo-nos à capacidade para apadrinhar16 e para ser apadrinhado.17

Pensamos ser pertinente citar o sumário do Ac. RL de 22-11-201218, que ilustra e resume o que tem vindo a ser exposto até então19 e que se reporta a um caso em que a menor havia sido institucionalizada pelo facto de a mãe não lhe conseguir assegurar um ambiente familiar minimamente saudável e organizado. Contudo, a adoção não se afigurou possível dado que os laços afetivos entre a criança e a mãe não se encontrarem comprometidos, uma vez que existia grande relação de proximidade entre elas. Desta forma, considerou o Tribunal ser aconselhável o apadrinhamento civil como projeto de vida para a menor.

Daqui também se retira o carácter subsidiário que o apadrinhamento civil apresenta relativamente ao instituto da adoção, conforme será evidenciado de seguida.

II. O carácter subsidiário do Apadrinhamento Civil e o exercício das responsabilidades parentais pelos padrinhos

De tudo o que tem vindo a ser exposto retira-se que o Apadrinhamento Civil apresenta um carácter subsidiário em relação à adoção20. Isso decorre, inclusive, da sua natureza. Tal quer significar que apenas se pode recorrer a esta nova relação jurídica familiar, que JORGE DUARTE PINHEIRO qualifica como inominada, ao lado da filiação por consentimento não adotivo21, no caso de a criança ou jovem não preencher os requisitos com vista à adoção. Isto é, o apadrinhamento civil apenas existe para crianças/jovens que não são adotáveis, pelo que a adoção e as medidas tidas nesse sentido, são sempre prevalentes face ao apadrinhamento.

Mas mesmo assim, é necessário ter em conta a morosidade e rigor apostos ao instituto da adoção, aos quais se contrapõe a celeridade e flexibilidade do regime do apadrinhamento.

Como é de conhecimento geral, cabe aos pais o exercício das responsabilidades parentais nos termos do preceituado nos arts.º 1877.º e 1878.º CC. No entanto, sempre que a medida de apadrinhamento civil (a qual é “aferida casuisticamente e de acordo com as reais necessidades e interesses do menor22”) é decretada, aquelas são transferidas para os padrinhos.

Regulador do exercício das responsabilidades parentais pelos padrinhos é o art.º 7.º, LAC23. Assim, urge salientar que as responsabilidades parentais são, nos termos do art.º 1878.º CC um poder-dever que assiste as pais para, no interesse dos filhos, velar pela sua saúde e segurança, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens. Daqui, retira-se que no apadrinhamento, estas responsabilidades deverão ser exercidas, embora com algumas limitações, no exclusivo interesse do afilhado. (sublinhado nosso). Os padrinhos, além de condições afetivas devem proporcionar ao afilhado as condições materiais necessárias ao seu desenvolvimento.

Do exposto resulta que tanto na filiação biológica como na adotiva, o princípio norteador é, sem dúvida, e sempre, o do superior interesse da criança.

O superior interesse da criança surge como um princípio jurídico-formal, que atua como critério orientador ou, se quisermos, como uma pauta obrigatória na resolução de casos concretos24.

Finalmente, cumpre uma breve alusão ao exercício das responsabilidades parentais no que respeita ao património do afilhado, sendo que, “ (…) no que respeita à vertente patrimonial fica desde logo e maioritariamente submetido ao regime da tutela25.” Neste sentido, dispõe o art.º 7.º, n.ºs 2 e 3 da LAC.

Significa o disposto que “os padrinhos só podem utilizar os rendimentos do afilhado no seu sustento e educação e na administração dos seus bens estão proibidos de praticar certos atos e precisam da autorização do Ministério Público para a prática de outros, sob pena de nulidade ou outras sanções26.”

III. Relação entre pais e padrinhos e direitos dos pais

Como já sabemos, esta relação de apadrinhamento apresenta, de alguma forma um carácter trilateral, no sentido de, em primeiro lugar ser criado um vínculo entre a criança e o(s) padrinho(s), mas mantendo na mesma ligação com os pais biológicos. E, por outro lado, também entre pais e padrinhos devem existir relações, ainda que no interesse da criança.

Assim, se a constituição do vínculo do apadrinhamento civil não exclui o relacionamento das crianças apadrinhadas com os seus pais biológicos, pretende-se que entre pais e padrinhos exista uma relação de tal forma equilibrada que não comprometa a manutenção desse mesmo vínculo.

Sendo o objetivo primordial do Apadrinhamento Civil o bem-estar e desenvolvimento das crianças ou jovens pretende-se que todas as relações do menor sejam norteadas pelo valor da estabilidade. Isto é, para que se possa de facto cumprir tal função, pais e padrinhos devem manter relações de cordialidade.

Assim, “[p]retende-se uma cooperação entre a família biológica e os padrinhos, de molde a proporcionar à criança ou jovem as melhores condições de vida e a permitir que a mesma usufrua de carinho, proteção e bem-estar que quer a família biológica quer os padrinhos lhe podem dar27.”

Assim, no âmbito deste novo instituto, foram reconhecidos aos pais alguns direitos, nomeadamente aqueles que constam do art.º 8.º, LAC: saber quem são os padrinhos, manter contacto com os filhos e visitá-los, saber o local da sua residência, bem como receber regularmente registos de imagem dos filhos, nomeadamente através de fotografia e, ainda, serem informados acerca do desenvolvimento dos mesmos. É sabido, ainda, que apenas os progenitores que não tenham sido inibidos do exercício das responsabilidades parentais por infração culposa dos seus deveres para com as suas crianças poderão exigir os direitos referidos supra.

Relevará, ainda, referir que quando haja revogação do vínculo do apadrinhamento, os até então padrinhos têm os mesmos direitos dos pais durante a existência daquele vínculo, a menos que a revogação seja por vontade dos primeiros, ou deles tenha sido a culpa28.

Uma vez que sabemos que o sucesso do apadrinhamento civil também pode ser posto em causa pelo mau relacionamento que pode existir entre pais e padrinhos, será pertinente referir que, na nossa opinião, é muito importante que haja esforços nesse sentido, porque não podemos olvidar que o que mais releva aqui é assegurar à criança o melhor ambiente familiar e, mais uma vez, o interesse da criança deve ser superior a qualquer outro interesse (seja dos pais ou dos padrinhos).

IV. Razões que conduzem à não aplicabilidade deste regime

A dificuldade que por vezes se tem vindo a notar de conseguir dos pais destas crianças o bom senso e desapego necessários por forma a aceitarem que os seus filhos encontrem em terceiros aquilo que necessitam para satisfazer as suas necessidades e para poderem ser felizes29, leva a que, em certas situações se gere grande instabilidade na vida familiar dos padrinhos. Assim, estes pais podem comprometer o sucesso do vínculo. Esta será uma das várias razões que podem levar a que sejam muitas e talvez cada vez mais as pessoas que se afastam do recurso a este instituto30.

GUILHERME DE OLIVEIRA aponta, por seu turno, o desconhecimento da lei como razão determinante da inaplicabilidade deste regime: “O apadrinhamento civil «morreu à nascença. Não se conhece, não se aplica, não se sabe se é bom ou mau31.»”

Já RUI DO CARMO diz que os escassos casos de apadrinhamento são de pessoas que já tinham uma relação de proximidade com o menor e, segundo informações da Segurança Social não há padrinhos inscritos. Invoca, ainda, a não mobilização dos meios adequados para alcançar pessoas interessadas em assumir o papel de padrinhos, já que diz não acreditar em tamanha falta de solidariedade32. No entanto, o mesmo revela que os raros casos de apadrinhamento civil são de pessoas que já tinham alguma ligação com o menor.

Argumento diferente é o apresentado por CRISTINA DIAS, no sentido de que “atualmente assistimos, no domínio do Direito da Família a vários fenómenos que nos indicam que a sociedade não é altruísta e, salvo algumas exceções, se alguém faz algo em benefício de outros não o faz sem também tirar algum proveito próprio33.

Ora, parecem-nos ter sentido as diferentes opiniões apontadas para o insucesso da aplicabilidade deste novo regime. Sucede que, hoje, volvidos cerca de quatro anos após a inserção do mesmo no nosso ordenamento jurídico, o não conhecimento da lei parece- nos já não poder ser indicado como motivo justificativo. Por isso, vamos de encontro ao argumento invocado por CRISTINA DIAS, já que o regime do apadrinhamento civil não prevê qualquer tipo de retribuições ou gratificações aos padrinhos e, contrariamente ao que defende RUI DO CARMO, parece existir na sociedade atual uma maior alta de solidariedade do que seria desejável; contudo, não podemos deixar de considerar a crise económica que nos tem afetado nos últimos anos. Neste sentido, ISABEL PASTOR afirma que “a crise económica não contribuiu para a implementação deste instituto jurídico34.”

CRISTINA DIAS questiona, ainda, se na nossa sociedade atual se conseguirá assegurar a cooperação entre pais e padrinhos, já que a lei faz depender o apadrinhamento civil de tal cooperação (art.º 9.º, n.º2 LAC). No seguimento dessa questão, a mesma revela que “esta ideia de padrinhos faz lembrar as relações entre os donos das terras e os filhos dos caseiros, a quem aqueles tratavam como se fossem seus filhos35.”

Desta forma, parece-nos também que a adoção tem mais sucesso que este instituto porque as pessoas preferem ter filhos do que afilhados. Nesse sentido, preferem cuidar dos seus filhos, provendo à sua educação, sustento e exercício das responsabilidades parentais, do que propriamente à dos afilhados. E, mais uma vez, voltamos à falta de solidariedade, de amor e compaixão perante quem mais precisa.

Conclusão

De tudo o que foi analisado ao longo do presente trabalho, concluímos que o apadrinhamento civil necessita de ser olhado pela sociedade de uma forma menos egoísta.

Se o objetivo deste regime é responder alternativamente àqueles casos em que o menor, por algum motivo, não pode ser adotado, é urgente que haja mais adesão ao mesmo, pois o que está em causa e o que se visa garantir é que seja dada à criança uma família com a qual ela possa realmente contar e que lhe garanta aquilo que a família biológica não consegue. Note-se que a criança tem o direito a crescer e a desenvolver-se no seio de uma família; direito este que se encontra consagrado quer a nível nacional (nomeadamente na Constituição da República Portuguesa) quer a nível internacional (na Convenção sobre os Direitos da Criança).

Pensamos ser central que se olhe para a criança como o que ela é: “o futuro da humanidade36.” E porque assim é, há que atender às suas necessidades e acolhê-la, provendo de forma diligente a tudo o que lhe é essencial. E é essencial que a criança cresça numa família que lhe possa permitir o acesso a um bom desenvolvimento físico, moral e intelectual, bem como o acesso a boas condições de vida e de saúde e num ambiente onde também ela possa usufruir do amor, carinho e afeto necessários ao seu bem-estar psicológico.

Assim, àquelas crianças que não encontram resposta no instituto da adoção, é- lhes dada a oportunidade de encontrar uma solução alternativa no apadrinhamento civil, já que através do mesmo, poderão elas ver cumpridos alguns dos seus Direitos Fundamentais37.

No vínculo de afetividade que com este novo regime se pretende criar (entre padrinhos e afilhados), acreditamos que o menor pode encontrar as soluções que necessita. Por isso, somos da opinião que “[a]s crianças (…) são pessoas. Pensam, sentem e sofrem. (…) Falar dos direitos da criança é, antes de mais, reconhecer à criança o estatuto de pessoa, titular de Direitos Fundamentais e vê-la, no espaço social, como uma pessoa dotada de sentimentos, necessidades e emoções (…)38.” Como tal, há que dar resposta às suas necessidades.

Segundo reportagem do Jornal de Notícias, em 2013 o apadrinhamento civil foi tido como projeto de vida para vinte e seis jovens. A mesma fonte revela que, segundo Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens CASA 2013 são muitas as crianças e jovens que se encontram em instituições de acolhimento, mas que em 2013, havia menos 112 em relação ao ano anterior39.

Daqui podemos retirar que apesar de ser crescente o número de crianças apadrinhadas civilmente, há ainda que fazê-lo crescer mais.

Importante será apelar à solidariedade das pessoas para que estas possam dar a estas crianças aquilo a que elas têm direito e que, de facto, necessitam.

“Faremos nossas as palavras de Guilherme de Oliveira, ao afirmar que o apadrinhamento civil não substituiu nem desvalorizou nada do que já existia no nosso ordenamento jurídico. É uma relação jurídica particular que ocupa o seu lugar próprio:

«[o]xalá possa acrescentar um caminho que diminua o sofrimento das crianças e jovens que precisam de mais cuidado40.»”

Conforme se sabe, aos padrinhos não é atribuída qualquer retribuição. Foi questionado se uma possível atribuição de gratificação aos padrinhos civis não impulsionaria mais pessoas que se propusessem a apadrinhar uma criança, isto é, uma gratificação atribuída no sentido de incentivo ao apadrinhamento. No entanto, concordamos com GUILHERME DE OLIVEIRA: “isso seria mercantilizar o amor41.” Até mesmo pelos “laços de solidariedade que lhe subjazem42.”

Referências

1 JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, 3.ª edição, Lisboa, AAFDL, 2010, p. 763.

2 DL n.º 121/2010, de 27 de outubro.

3 GUILHERME DE OLIVEIRA, «Apadrinhamento civil só beneficiou cinco crianças», (23/12/2012), [Em linha], consultado a 3 de janeiro de 2015, disponível em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/lei-do- apadrinhamento-civil-apenas-habilitou-cinco-padrinhos-em-dois-anos-1578456.

4 Nomeadamente o facto de se permitir o crescimento de crianças/jovens acolhidos em instituições no seio de uma família, a manutenção da sua filiação biológica, a proteção dessas crianças/jovens e a celeridade deste regime face ao processo de adoção.

5 Ibidem nota de rodapé 3.

6 JORGE DUARTE PINHEIRO, op. cit., p.770.

7 Idem, p.771.

8 Cf. art.º 7.º, LAC e arts.º 1997.º e 1998.º, CC.

9 Vide página 1.

10 CRISTINA ARAÚJO DIAS, Algumas notas em torno do Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil, in AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra, Almedina, 2012, pp.187-188

11 ANA RITA ALFAIATE e GERALDO ROCHA RIBEIRO, Reflexões a propósito do apadrinhamento civil, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo II, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, [Em linha] consultado a 10 de janeiro de 2015, disponível em www.cej.mj.pt/…/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoII.pdf, p.55.

12 Quer por não serem encaminhadas para a adoção, quer por não haverem sido adotados.

13 ANA SOFIA GOMES, Responsabilidades Parentais, 2.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009, p.91.

14 Idem, p.92.

15 ANA RITA ALFAIATE e GERALDO ROCHA RIBEIRO, op. cit.,p. 54.

16 Exige-se idade superior a 25 anos e prévia habilitação para o efeito.

17 Em primeiro lugar, o apadrinhamento tem de trazer reais vantagens para o menor. Mais uma vez o interesse da criança deve sobrepor-se ao interesse do candidato, tal como, hodiernamente, sucede na adoção. Note-se, ainda, que a questão do superior interesse da criança tem vindo a ser bastante abordada e se encontra prevista e regulada na Convenção sobre os Direitos da Criança.

Ainda quanto à capacidade para ser apadrinhado, é necessário que em relação à criança, não se verifiquem os requisitos da adoção. Finalmente, apenas podem ser apadrinhadas crianças ou jovens que se encontrem a beneficiar de medida de acolhimento em instituição, ou, ainda, que estejam em perigo, requisitos que se encontram previstos no art.º 5.º, a), b) e c), LAC.

18 Proc. n.º 2288/08.0TCLRS.L1-2 (relator Jorge Leal), in www.dgsi.pt , consultado a 04 de janeiro de 2015.

19 Cf. Anexo I.

20 Vide página 3.

21 Assim a qualifica devido às seguintes razões: exigência de intervenção estatal, duração e finalidade de integração familiar.

22 ANA RITA ALFAIATE e GERALDO ROCHA RIBEIRO, op. cit., p. 59.

23 “Os padrinhos exercem as responsabilidades parentais, ressalvadas as limitações previstas no compromisso de apadrinhamento civil ou na decisão judicial.”

24 JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Os Direitos das Crianças, in “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 68, vol. I, Lisboa, janeiro 2008, p.308.

25 ANA SOFIA GOMES, op. cit., p. 97.

26 CRISTINA ARAÚJO DIAS, op.cit., p. 180.

27 HELENA GOMES DE MELO, JOÃO VASCONCELOS RAPOSO, LUÍS BAPTISTA CARVALHO, MANUEL DO CARMO BARGADO, ANA TERESA LEAL E FELICIDADE D’OLIVEIRA, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2.ªedição (revista, atualizada e comentada), Lisboa, Quis Juris, 2010, p.235.

28 Neste sentido, cf. art.º 26.º, LAC.

29 E, mais do que isso, para aceitarem que terceiros exerçam sobre os seus filhos responsabilidades parentais.

30 Também à luz do disposto no art. 26.º, LAC.

31 Vide nota de rodapé 3.

32 Idem.

33 CRISTINA ARAÚJO DIAS, op. cit., p. 190.

34 ISABEL PASTOR, Apadrinhamento Civil – Constrangimentos, Virtualidades e Consolidações do Instituto, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo II, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, [Em linha], consultado a 10 de janeiro de 2015, disponível em www.cej.mj.pt/…/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoII.pdf, p.156.

35 Ibidem.

36 MARIA CLARA SOTTOMAYOR, O Poder Paternal como Cuidado Parental e os Direitos da Criança, in “Cuidar da Justiça de Crianças e Jovens, A função dos juízes sociais, Atas do Encontro, Fundação para o desenvolvimento social do Porto”, UCP-Porto, Faculdade de Direito, Coimbra, Almedina, p.9.

37 Cf. art.º 69.º CRP.

37 Cf. art.º 69.º CRP.

38 Ibidem nota de rodapé 3.

39 Jornal de Notícias «Apadrinhamento civil foi projeto para 26 jovens institucionalizados em 2013» (02.04.2014), [Em linha], consultado a 8 de janeiro de 2015, disponível em http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=3792608.

40 GUILHERME DE OLIVEIRA, Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil Anotado, Nota de Abertura, Coimbra, Coimbra Editora apud MARIA ELISABETE FERREIRA, Algumas notas sobre o regime jurídico do apadrinhamento civil, in AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra, Almedina, 2012, p.424.

41 GUILHERME DE OLIVEIRA, «Gratificar os padrinhos civis seria mercantilizar o amor?» (18/03/2012), [Em         linha],                 consultado a                          8         de       janeiro de                 2015,   disponível em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/gratificar-os-padrinhos-civis-seria-mercantilizar-o-amor- 1538449.

42 ANA RITA ALFAIATE e GERALDO ROCHA RIBEIRO, op. cit., p.57.

Bibliografia

ALEXANDRINO, José de Melo, Os Direitos das Crianças, in “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 68, Vol. I, Lisboa, janeiro 2008, pp. 275-309;

ALFAIATE, Ana Rita e RIBEIRO, Geraldo Rocha, Reflexões a propósito do apadrinhamento civil, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo II, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, [Em linha], consultado a 10 de janeiro de 2015,        disponível                                                        em www.cej.mj.pt/…/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoII.pdf, pp.47-139;

DIAS, Cristina Araújo, Algumas notas em torno do Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil, in AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 161-195;

FERREIRA, Maria Elisabete, Algumas notas sobre o Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil, in AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 411-424;

GOMES, Ana Sofia, Responsabilidades Parentais, 2.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009;

MELO, Helena Gomes de/ RAPOSO, João de Vasconcelos/ CARVALHO, Luís Baptista/ BARGADO, Manuel do Carmo/ LEAL, Ana Teresa/ D’OLIVEIRA, Felicidade, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2.ªedição (revista, atualizada e comentada), Lisboa, Quis Juris, 2010;

PASTOR, Isabel, Apadrinhamento Civil – Constrangimentos, Virtualidades e Consolidações do Instituto, in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo II, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2014, [Em linha], consultado a 10 de janeiro de 2015,                                                                     disponível em www.cej.mj.pt/…/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoII.pdf, pp.151-209;

PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito da Família Contemporâneo, 3.ª edição,  Lisboa, AAFDL, 2010;

SOTTOMAYOR, Maria Clara, O Poder Paternal como Cuidado Parental e os Direitos da Criança, in “Cuidar da Justiça de Crianças e Jovens, A função dos juízes sociais, Atas do Encontro, Fundação para o desenvolvimento social do Porto”, UCP-Porto, Faculdade de Direito, Coimbra, Almedina, pp.9-63.

Outras fontes

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=3792608, consultado a 08 de janeiro de 2015.

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/lei-do-apadrinhamento-civil-apenas-habilitou- cinco-padrinhos-em-dois-anos-1578456, consultado a 03 de janeiro de 2015;

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/gratificar-os-padrinhos-civis-seria- mercantilizar-o-amor-1538449 , consultado a 08 de janeiro de 2015.

Jurisprudência

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2012 (proc. n.º 2288/08.0TCLRS.L1-2), relatado por Jorge Leal, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/16ad382f1d0af9de802 57aca005cdf49?OpenDocument

Anexo I (Sumário do Ac. RL de 22.11.2012)

“I – Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem-estar; porém, se esta não poder ou não quiser desempenhar esse papel, haverá que, sendo possível, optar pela sua integração numa outra família, através da adoção.

II- Constitui pressuposto da medida de confiança de menor para adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” – tal situação será constatada “pela verificação objectiva” de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil (corpo do n.º 1 do art.º 1978.º).

III – Ou seja, a ocorrência de qualquer dessas situações constituirá via necessária para a demonstração da inexistência ou do sério comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança, para o efeito da confiança da criança para adoção; adicionalmente, porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.

IV – Verificando-se, da parte do pai da menor, afastamento, e, do lado da mãe, uma persistente incapacidade de assegurar um ambiente habitacional minimamente organizado e saudável, agravado por um aparente desinteresse por melhorar, tudo isso acompanhado, antes da institucionalização da menor (institucionalização que se verificou aos três anos e meio de idade), de fraco empenho na frequência por esta de equipamento de infância, horários inadequados para a criança dormir e comer e alimentação desequilibrada, longos períodos de total inatividade, permanecendo a mãe deitada e às escuras com a menor, além de a criança dormir quase sempre na cama dos pais, apesar de possuir uma cama própria, deve ser confirmada a decisão recorrida na parte em que afastou o regresso da menor aos cuidados dos progenitores.

V – Porém, não é possivel confiar a criança para adoção, por não se mostrarem comprometidos os laços afetivos próprios da filiação, quando ficou provado que “entre a menor e a progenitora existe grande afectividade”, que após a institucionalização da menor a mãe manteve visitas regulares e frequentes criança, as quais foram diárias, de 2.ª a 6.ª feira, com a duração de cerca de uma hora, que no decurso da visita a progenitora

dava banho à filha, que a criança passou com os pais o dia do seu aniversário, o Natal e o Ano Novo, que a criança foi batizada, por decisão dos pais.

VI – O apadrinhamento civil é um vínculo jurídico que, em regra, concilia a manutenção de vínculos biológicos com os vínculos afetivos típicos do apadrinhamento, constituindo no nosso ordenamento jurídico um meio apto a proporcionar uma solução de proteção a crianças em perigo, de caráter definitivo, sem ser a confiança para adoção.

VII – Mostrando-se a criança, atualmente com seis anos de idade, bem integrada na instituição onde foi acolhida, não sendo possível confiá-la aos pais e não estando reunidos, pelo menos por ora, os pressupostos de aplicação de uma outra medida, nomeadamente o apadrinhamento civil, é aconselhável que a criança se mantenha na aludida instituição, em prazo que se fixa em um ano, sem prejuízo da revisão semestral imposta pelo art.º 62.º n.º 1 da LPCJP, ou de revisão anterior fundada em factos supervenientes que a justifiquem, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 62.º da LPCJP.”